03 de junho, alguns anos depois de 13/07/1990. Aqui começa a contagem regressiva da vida de Tadeu,filho de Maria. Pouco sabemos da história dessa mulher, favelada, mãe de seis filhos, dos quais, nem mesmo ela, sabe muito sobre o pai ou os pais.
Tadeu nasceu numa terça-feira. Nesta época, seus dois irmãos mais velhos, apesar da pouca idade, entre 7 e 8 anos, já se viravam como podiam. Sempre estavam correndo, muitas vezes carregando algo e nunca estavam sozinhos. Suas companhias, pessoas mais velhas, eram mentores e heróis para eles. Passavam mais tempo na rua do que em casa pois era difícil a convivência com a mãe, incapaz de qualquer tipo de afeto.
Maria tinha seus problemas e pouca ajuda familiar. Na verdade, só contava consigo mesma para, em troca do estrangulamento de sua feminilidade e autoestima, conseguir alguns trocados que evaporavam como fumaça em prazeres momentâneos. Tadeu pode ter sido fruto de um desses momentos que não traziam alegria e causavam muita vergonha e desespero para Maria.
Desde a barriga da mãe foi um sobrevivente. As urgências de Maria, nunca foram as dos filhos, e nelas não havia prioridade para planejamento familiar, pré-natal ou saúde da mulher.
A infância de Tadeu foi bem parecida com a dos irmãos. Muito esperto, malicioso por necessidade e instinto para continuar sobrevivendo. Frequentou brevemente a escola. Lugar onde pouco se identificou, por não ter facilidade com números e letras e por gostar muito de correr e fazer brincadeiras, muitas vezes consideradas inadequadas para o contexto educacional.
Em determinado momento dessa história, as vidas de Maria e Tadeu já não se encostam mais. Não sabemos o que aconteceu com ela, mas há boatos que se tornou invisível.
Neste momento da vida, que continua em contagem regressiva, Tadeu, agora com 10 anos, passa a morar com a avó, dona Helena. Não é difícil descrever a vida de dona Helena. Basta repetir parte da história de Maria: mulher, favelada, que agora cuida de 6 netos sozinha e ainda trabalha como empregada doméstica todos os dias.
À medida que a contagem regressiva da vida de Tadeu se aproxima do fim, de modo incoerente com o que se espera da infância, adolescência e juventude, seus interesses mudam. Na escassez de lugares saudáveis de esporte, lazer e cultura do seu bairro, um campinho sem trave, sem 11 jogadores de cada lado e apelidado de Campo da 12, que não era usado para o descobrimento de talentos para o esporte, passa a ser sua melhor atração.
Agora com 15 anos, a contagem regressiva de Tadeu se acelera mais ainda, principalmente com ajuda da frequência tão regular com que passou a ir em lugares como o Campo da 12, onde o número não nomeia somente o local, mas também as práticas que o permeiam, colocando pra escanteio e fazendo de gandulas jovens como ele.
Com tantos momentos de prazer e gozo, que da mesma forma que vinham, iam, o corpo e mente de Tadeu passou a não querer mais voltar para realidade ao qual vivenciava, e os momentos viraram horas, dias e noites. O pouco contato com a família, que já não tinha muito afeto, passaram a ser mais turbulentos.
Aos 16 anos, com a contagem regressiva de vida em velocidade exponencial, Tadeu já não consegue controlar mais a forma com que se relaciona com as pessoas, passa a não reconhecer familiares e parceiros e perde significativamente sua autonomia, sendo considerado incapaz de realizar escolhas ou mesmo opinar sobre si.
O desgaste de dona Helena, ao se desdobrar entre tantas tarefas diárias com os netos e trabalho, a afasta de Tadeu, agora com quase 17 anos. A única saída em vista, diante da falta de outras possibilidades e da urgência em destinar o neto, já não apto para viver em sociedade, é afastar Tadeu do mundo, do bairro e da convivência com outras pessoas.
Após um período de 99 dias afastado, sem contato com qualquer afeto que pudesse vir de fora, sem prazeres momentâneos e, também, sem esperança, Tadeu retorna limpo pro bairro, onde o Campo da 12 ainda é o mesmo e a família ainda possui poucas possibilidades. Fatidicamente essa limpeza de 99 dias isolado de tudo e todos, não garantiu um futuro diferente e, Tadeu, volta a acelerar o contador regressivo de sua vida.
Hoje, com 17 anos e 11 meses, e várias incertezas quanto a sua cidadania, Tadeu fatalmente tornara-se invisível, assim como Maria.
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